Está acontecendo novamente. E chega a ser irônico. Em uma fase em que eu finalmente estou conseguindo tentar reconstruir a minha vida, quase dez anos depois, enquanto eu estava indo para um evento ainda por cima patrocinado pelo Itaú, o assédio recomeçou.
Eu recebi um email de uma firma de cobrança, dizendo que se eu não pagasse uma quantidade de dinheiro que eu não tenho, eles me tirariam tudo o que eu tenho, na Justiça.
O problema é que o Itaú já me tirou tudo o que eu tinha uma vez. Inclusive quase tirou minha vida.
Todo mundo sabe como é isso: você não quer abrir conta em um banco diferente do seu, mas a empresa em que você trabalha faz você abrir uma conta salário no banco tal ou você não recebe. E foi assim que eu abri uma conta-salário no Itaú. Eu estava separada, morava de aluguel, era mãe solteira, sustentava sozinha o meu filho porque meu ex-marido parou de pagar pensão para o menino quando ele tinha cinco anos e o pouco que não era gasto fechando o mês foi investido em um fundo de renda fixa do Itaú.
Passaram-se os anos e a empresa em que eu trabalhava começou a ir mal das pernas. Começaram a atrasar nossos pagamentos. Ora, as contas não param de chegar e em determinado momento fui obrigada a pegar um empréstimo no Itaú. Eu vestia a camisa da empresa, estava acumulando cargos de vários funcionários nas costas e tinha a esperança de que a situação ia melhorar. Não melhorou. No dia em que peguei o último empréstimo de mil reais para conseguir pagar as contas acumuladas daquele mês, me demitiram. Eu já estava com depressão, acumulando o trabalho de 8 funcionários e carregando um setor inteiro nas costas e não ganhava nem perto disso. E era mãe solteira. E minha família achava que depressão era frescura.
A empresa pagou tudo direitinho, mas eu tive um problema com o Detran. Para poder receber ou ter acesso ao auxílio desemprego, eu precisava da minha carteira de identidade original, que havia sido furtada. O equipamento biométrico do Detran não reconhecia minhas digitais de jeito nenhum e levou quatro meses de idas e vindas e atestado médico de dermatologista explicando que eu era eu mesma para que enfim eu pudesse ter acesso ao dinheiro da rescisão. Que nesses quatro meses sem conseguir pagar o Itaú fizeram uma dívida pequena virar um pesadelo. O pouco que eu tinha recebido evaporou no momento em que tocou no banco. Saquei todo o dinheiro que havia guardado desde que comecei a trabalhar no meu primeiro emprego aos 19 anos, paguei.
Eu não tinha absolutamente mais nada a esta altura do campeonato e estava tão doente que não conseguia voltar a trabalhar. Comecei a ter síndrome de pânico. Sofria terrivelmente apenas para ir buscar meu filho na porta da escola e me controlava porque a cada sinal vermelho que eu via eu pensava em atravessar a rua quando ele abrisse e ser atropelada. Viver doía. Respirar doía. Eu não tinha dinheiro para comprar remédios e precisava contar com a caridade da psiquiatra que me atendia. Eu passava os dias encolhida em uma bola no chão da sala, desesperada, tentando pensar no meu filho. Minha melhor amiga me emprestou quatro mil reais que praticamente zeraram boa parte da dívida que eu tinha com o Itaú, ficou um saldo pequeno que eu tentei renegociar. E foi aí que a minha desgraça e a origem deste assédio que me persegue há quase dez anos reside.
Eu já estava tão doente que não conseguia mais sair de casa para pegar meu filho na escola. Um dia eu não conseguia mais falar e não conseguia mais sair de casa. Meu pai pegou meu filho na escola e começou a gritar comigo e brigar comigo que eu não podia ficar daquele jeito e tinha que reagir. Mas eu não tinha mais forças para nada, mal conseguia olhar pra ele e eu não conseguia sequer falar ou me mexer. A depressão havia literalmente me paralisado.
Perdi minha independência. Perdi meu apartamento. Tive que voltar para a casa dos meus pais onde os dias se confundiam e eu pontuava as horas quando a minha mãe me acordava para trazer comida e me obrigar a comer. Engordei dez quilos nos dois anos em que passei mal saindo daquela cama apenas para tomar banho e até a água do chuveiro doía na minha pele. Minha síndrome de pânico era tão forte que eu chorava só em pensar em ter que sair de casa. Era um inferno ter que tentar sair para ir ao médico e eu só conseguia sair acompanhada. Eu não tinha sequer um real para pagar uma passagem de ônibus (que custava dois) e só me locomovia acompanhada no bairro onde meus pais moravam. Enquanto isso o telefone tocava. Do banco.
Eu paguei as tais prestações da dívida renegociada até que não sobrou mais nada. Eu falei para a atendente ao telefone: olha, eu estou muito doente, eu não tenho como pagar absolutamente mais nada neste momento, eu já pensei até em me matar e só não faço isso por causa do meu filho, mas eu sou honesta, nunca tive uma dívida na vida, será que não existe algo que eu possa fazer para voltar a pagar vocês quando minha saúde melhorar? "sinto muito senhora mas não existe". E enquanto isso os juros sobre juros iam transformando aquela dívida em um monstro que ameaçava me engolir lentamente, mês a mês. Eu dizia "eu já paguei duas vezes o valor da dívida original e isso que vocês estão cobrando são apenas os juros, não é possível que não haja uma forma de segurar apenas essa cobrança de juros" mas o banco não estava nem aí para mim. E a cada uma dessas conversas eu passava as próximas horas pensando em me matar. Cortando os pulsos, pulando do segundo andar, me jogando na frente de um carro, tomando gasolina... Foram dois anos, acho que esgotei as possibilidades criativas de tanto pensar nisso. E me segurando, repetindo como um mantra, que eu tinha um filho e ele já não entendia porque a mamãe não brincava com ele e o que ia ser dele sozinho no mundo sem mim? Até o cansaço me levar a um estado de inconsciência.
Um belo dia uma advogada amiga do meu pai me deu um fio de luz: não é bonito, seu nome vai ficar sujo, mas você já pagou até mais do que devia, juros sobre juros são ilegais, você não tem escolha, deixe a dívida prescrever. Como disse, sou honesta e só a idéia de deixar uma dívida sem pagar me fez ficar vermelha de vergonha. Mas eu já havia feito tudo o que podia e eu precisava pensar em me curar e sobreviver. Foi doloroso, mas eu ignorei os telefonemas cada vez mais frequentes feitos nos horários mais loucos. E ainda passei meses naquela cama, onde os dias eram todos escuros e nebulosos.
Apareceram sintomas novos. Uma pressão tão forte dentro do meu crânio que parecia que meu cérebro estava sendo comprimido por um gigante sádico. Fui fazer uma tomografia do meu cérebro para afastar a possibilidade de algo físico e acabei encontrando o neurologista que salvou a minha vida. O dr. Alexandre olhou o meu exame, ouviu a minha história, explicou como cada um dos meus sintomas estava ligado a esta ou aquela alteração e que remédios usar para combater o problema. E pouco a pouco, muito lentamente, eu comecei a melhorar.
Isso foi em novembro. Em dezembro, tentando me animar e me tirar de casa um pouco, alguns amigos fizeram um mutirão para me fazer sair. Minha melhor amiga (aquela, que me emprestou dinheiro para pagar ao Itaú) veio me buscar em casa e pagar a minha passagem de ônibus para que eu pudesse ir à festa de aniversário de outra amiga, dormir na casa dessa amiga, e no dia seguinte ir à sua própria festa de aniversário. E foi nessa festa que eu conheci o meu marido. No começo achei ele louco: apostar em mim quando eu estava apenas começando a me recuperar de uma depressão tão severa que quase me matou? Mas ele não só me apoiou como me ajudou no processo longo e lento de cura e aos pouquinhos a ir reconstruir a minha vida. Um ano depois finalmente arrumei um emprego, em São Paulo.
O banco que apostou em mim, o Real, teve suas dívidas pagas e continuo me relacionando bem com o Santander até hoje. Zerei o cartão de crédito e nunca mais fiz outro. Nunca mais usei um cheque. Não tenho nem sequer cheque especial, eu cancelo qualquer tentativa de me darem um. Não acumulo bens. Tudo que tenho uso até gastar, tudo que não uso eu dôo. Agradeço todos os dias a cada vez que acordo e descubro que estou viva. E a única sombra na minha vida até 2010 era a dívida com o Itaú.
As cartas continuavam chegando com valores mais altos e mais loucos. 12.000 reais, 16.000 reais, 20.000 reais. Só de ver o envelope eu já tinha um ataque de síndrome de pânico, meu coração disparava, eu ficava sem ar e me sentia como se fosse desmaiar. Me assediaram por telefone também, até eu mudar o número. E descobriam o número novo, e continuavam ligando. Nunca vou ter condições de pagar isso, eu pensava. Eu ligava para a advogada, que me acalmava como podia. Foram anos penosos. A cada passo para a frente, a sombra da possibilidade de ter o pouco que eu estava usando para sobreviver arrancado de mim. A cada carta, uma nova recaída e pensar se eu deveria continuar insistindo ou não deveria logo me matar de uma vez.
Em 2010, a dívida prescreveu. Ir ao SERASA confirmar foi uma das coisas mais doloridas que eu fiz na minha vida. Mas meu nome está limpo e continua limpo até hoje. Eu me sinto desconfortável só de pisar em uma agência do Itaú. Tenho vontade de chorar só de lembrar que ontem estava em um evento patrocinado por eles. Recebendo um email de uma firma de cobrança que comprou a dívida prescrita, me ameaçando de mais uma vez perder tudo que eu tenho, o que não é muito. Faço bicos para pagar as contas.
Tenho alguns livros, o meu computador e algumas roupas no armário. Não tenho jóias. Tenho 3 gatos e, agora, graças ao cara que me ajudou a sair da depressão, mais uma filha pequena e linda. Mas dessa vez eu cansei do assédio e da tortura moral e das ameaças.
Vou tomar remédio para o resto da minha vida, já paguei e re-paguei tudo que eu podia, meu nome está limpo no Serasa e no SPC, não devo mais nada a ninguém e trilhei um longo caminho para estar onde estou hoje. O Itaú é um gigante. Eu sou apenas... eu.
Eles têm o poder de mandar enterrar essa porcaria com uma canetada.
Eu só tenho o poder de abrir meu coração na Internet e pedir para me deixarem viver o resto da minha vida em paz.
Chega, por favor.