Há muito tempo atrás havia uma tradição de ir ver o mar no dia depois do ano novo. E depois passar o resto do mês na floresta. O ano se renovava nessa pequena separação entre o tempo passado no cinza e o tempo passado no mato. No mato você calçava botas e levava facão e se preocupava com as cobras. Houve um tempo onde se preocupava com onças e lontras. Há muitos anos o maior medo passou a ser dos caçadores. Um homem que não respeita o limite do seu terreno não vai respeitar o limite do seu corpo.
Na época das chuvas você precisava respeitar a força da cachoeira. Não se entra na cachoeira quando chove no topo da montanha, porque quando a cabeça d'água vem, ela move pedras do tamanho de casas. Nada fica no lugar. Todos os anos a chuva destruía a cachoeira. Todos os anos a cachoeira ganhava uma nova forma, com novas quedas e novos lagos e novas prainhas onde se banhar.
Janeiro era o mês do Rio e do mar. Mas a vida roubou primeiro o mar, depois o Rio. Restou a chuva na cidade cinzenta. Sem mar, sem mata, sem cachoeira.