segunda-feira, agosto 20, 2001

Awake.
Shake your hair from your dreams,
my sweet child, my dear one.
First thing you see…

Há seis meses eu estava morta.
Como uma planta sufocada, seca, sem sol e sem água, eu morri. Minha catábase foi lenta e dolorosa: eu vinha morrendo aos poucos, ao longo dos anos, vendo tudo que amava e acreditava sendo pisado e destruído dentro de mim. Há seis meses atrás eu era uma sombra, pouco mais que um eidolon vagando no Hades. Muito pouco restava em mim. Mas é preciso morrer para renascer e, de algum jeito, quanto mais eu me feria, no ponto em que estava mais fraca, em que minha dor era mais profunda e eu estava mais frágil, eu descobri um ponto de luz. Me olhei no espelho além da sombra refletida: me fiz mulher, me fiz bonita e me fiz livre, subitamente, sem ter tempo de olhar para trás.
Minhas raízes eram fortes; eu renasci aos pouquinhos, de minhas próprias cinzas. Descobri que estava morta e agora tenho muito a aprender, sobre a vida e sobre mim mesma. Perdi dez anos da minha vida. Quando olho para trás, não sei como pude sofrer tanto, uma coisa tão sem sentido, e acreditar que não havia vida possível além daquela morte-vida. Mas agora! Tantas coisas que eu nem sonhava conhecer! Tanto a aprender! Aprender sobre tudo a viver: tudo o que me nomeava me foi tirado, e tendo que viver além dos rótulos e ilusões em que eu acreditava, reconquistando o que faz de mim quem sou apenas com minhas mãos nuas, traçando novos caminhos e retomando velhos projetos e antigas ambições, estou me preparando: estou aprendendo, concluindo e encerrando velhos projetos, ganhando segurança e perdendo o receio. Estou me recriando e descobrindo dentro de mim uma nova mulher.
Estou renascendo, e como um bebê não sei dizer ainda o que sou, quem sou e que nome dar às coisas ao meu redor. Estou me despindo de antigos véus, estou nua e em breve terei direito às minhas armas, e saberei o meu nome. Não sei ainda nada sobre mim, mas sei que já respiro. Eu estava morta e abri meus olhos para uma vida diferente. Gostaria de ter podido estender minha mão a meu algoz e tê-lo feito enxergar o mundo com outros olhos. Gostaria de ter tocado seu coração. Laços demais pesam dentro dele. Tanto que ele não percebe que, de formas diferentes, falamos e buscamos a mesma coisa; ainda somos filhos da mesma estrela.



Uma coisa que me irrita sobre os evangélicos: eu tive a paciência de um dia desses parar para ler um daqueles livrinhos, em que o homem num discurso inflamado defendia que o ser humano era como uma ovelha, que não sabia se defender desgarrada do rebanho e que só era feliz guiada por seu pastor. Sinceramente? Eu não estou nem aí para ser uma ovelha. Eu nunca fui com o rebanho e até onde sei, eu fico doente se alguém me prender em algum lugar. Também estou me lixando para o pastor. E se eu tivesse que escolher, também não seria um deles. Prefiro mil vezes correr com os lobos. Prefiro meus olhos bem abertos. Eu só tenho um guia: meu coração. E o que cometo são erros, não “pecados”. O caminho da ovelha é pura castração.

Nas últimas luas tenho dançado a dança de cadeiras invisíveis no palco do meu coração. É uma busca estranha de mim mesma, nos reflexos úmidos dentro dos olhos de estranhos que cruzam meus caminhos, beijando lábios que vêm e se vão, sem que nenhum toque minha alma, minha alma aflita, sem que nenhum momento me traga mais paz do que medo. Esse terror de me entregar me faz como o vento. Sopro à noite por paragens boêmias, e ao amanhecer retorno ao vazio, sem nada trazer nem nada levar. Apenas o tempo, inexorável, me assusta e me marca. Meu espírito vagueia pela anima mundi, tocando suavemente pontos luminosos conhecidos: qual deles cruzará o meu caminho? Quando meu animus virá até mim? As luas passam como ondas na praia e eu ainda estou aqui, e tudo que tenho agora são novas histórias para contar. Talvez as histórias sejam o que fica, depois que o coração já se foi.

Há mais ou menos uma semana, um rapaz de 16 anos sentou a meu lado no ônibus:
“Dá licença, tia”.
Eu ri:
“Não sei se tenho idade para ser chamada de tia”.
Foi a vez dele rir:
“É? E quantos anos você acha que tem?”.
Não sei. Mas sei que não me sinto, de jeito nenhum, um dia sequer mais velha que há dez anos atrás, quando EU tinha quinze. Tem dias que acho que minha idade é contabilizada pelas marcas que a vida deixou no meu corpo e na minha alma. Sou uma criança no amor, ingênua e sem defesas. Para as responsabilidades da vida, me faço mulher. E há dias em que não sou ninguém, apenas deixo o tempo passar.

Porque será que, quando digo que não sou ninguém, as pessoas não conseguem entender? :-)