sexta-feira, abril 22, 2005

Vida é aquilo que me acontece nos intervalos da depressão

Pequena coletânea de textos que deveriam ter sido postados no blog... Escritos randomicamente em 2004 e 2005, tirados do meu diário de folhas soltas, antes e depois da mudança de apartamento.

"Garoa fininho em Niterói. Estou um pouco atrasada. As gotas finas umedecem meus cabelos, meus passos apressados, meus pensamentos sempre em outro lugar. Garoa sempre me dá saudades de São Paulo. E de repente eu lembro. Niterói, outro momento. No começo, as primeiras vezes, era sempre com chuva. As gotas finas caindo sobre minha pele, salpicadas nos meus cílios, todo o meu corpo adivinhando, no frescor da grama nas minhas costas, o calor do corpo gostoso que se deitaria sobre o meu. Ele era nada mais nada menos que um anjo sujo. Seus cabelos cacheados, os olhos muito azuis por trás dos óculos, uma criança crescida, com barba por fazer. Muito magro. Muito jovem, e eu era mais jovem ainda do que ele... "

"Futuros possíveis

Você vem a mim, meu adorável completo estranho desconhecido. Você se apaixona pelo meu jeito exótico, minha alma sensível e minha liberdade.
Você me ama segundo tua imagem e semelhança e me compreende apenas em parte. Eu te vejo por inteiro e aprendo a compreender e amar cada defeito, limitação e qualidade. Você tece seus castelos e espera que eu os habite. Eles são belos, e foram suas mãos adoradas que os ergueram, eu te acompanho e percorro junto a você cada cômodo. Sei que os castelos são frágeis, sei que pisar nesse chão será o primeiro passo para a queda, mas você ESPERA que eu partilhe do seu castelo, você ergueu ele para mim e você acredita que eles sejam sólidos... Eu entro. Você enjoa de sua bolha de sabão em breve, ou acha que eu não combino bem com a decoração. "


"La bonne tempête

... E eu sou pega de surpresa e furtada à minha rotina pelos pingos grossos e mornos da chuva de verão em pleno começo de novembro, terceiro dia do horário de verão, e me vejo obrigada a me refugiar na Biblioteca Nacional para proteger Tolstói da chuva - não fosse por ele, não fosse por Ana eu talvez me deixasse lavar e purificar nesta chuva morna de pingos grossos, estou tão precisada de um pequeno milagre, meu corpo suado, a roupa colando no corpo depois de um dia intenso de trabalho numa sala quente sem janelas nem ar condicionado. Não é dia nem noite ainda, nesses momentos misteriosos em que ainda há luz por trás das nuvens, mas os prédios e postes já acenderam suas luzes. Eu olho para cima e continuo extasiada como no segundo em que sentei aqui - a tempestade é bela, os raios poderosos, a visão deslumbrante... e a pausa no cotidiano se transforma tranquilamente numa prece de agradecimento por estar viva neste momento, por simplesmente poder contemplar com serenidade essa beleza impetuosa enquanto na praça as pessoas correm apressadas com seus guarda-chuvas e a meu lado outros fugitivos da tempestade fumam seus cigarros, impacientes, esperando a chuva estiar."

"Uma vida marcada por NÃO viver, a minha. La folie, toujours. Eu ainda sonho com sightings improváveis. Acho que minha loucura preenche o vazio com fantasias. É provavelmente o pouco que me sobra para conseguir alguns lapsos de razão."

"Amor louco, amor fati, amor sem sentido. Inútil, desesperado. Na penumbra, na escuridão teus olhos brilham como estrelas. Você é a imagem que teci de ti em meus devaneios. Eu criei e alimentei esta imagem com teu rosto e meu desejo para me proteger do vazio. É preciso curar a loucura com uma dose controlada da mesma loucura. Eu costumava dividir os escritores em dois tipos: os que se alimentavam do seu mundo interior e os que se alimentavam do mundo exterior. Eu odiava descobrir registrados no papel detalhes íntimos, gestos, pequenas confissões... e eis que me pego me alimentando do teu mistério para me curar."

"Oi, tudo bem? Preciso de um amigo, pode ser você? Não, não quero nada demais. Só alguém pra me escutar um pouquinho. Pode ser? Legal.
Ter um blog sem comentários é meio como que falar sozinho com as paredes (não, eu não espero que as paredes me respondam...)
Tomei a decisão de deixar muitas coisas para trás quando mudar de casa. Quero comprar tudo novo e tirar aquele ar de casa montada com móveis emprestados... E notei, com um certo orgulho, que sinto como se tivesse me ocultado num casulo de coisas velhas e seguras e agora posso rompê-lo, mais do que posso, preciso, tenho urgência disso, de me RENOVAR."

"Que loucura... Quando paro para pensar nos efeitos da informática em minha vida e como pouco mais de quatro anos foram capazes de tornar obsoleta toda uma estrutura que venho carregando há tempos comigo de casa para casa... Minha coleção de "Informática Etc" de 97 (Microsoft entra de cabeça na discussão sobre a propriedade do java, he) está irremediavelmente obsoleta. O "Planeta Globo" de abril de 95 anuncia "Senhor dos Anéis" em RPG. Tenho todo tipo de matéria de jornal bizarra, coleção de Rio Fanzine, tirinhas do Calvin, Garfield e Laerte, Zine do JB e trocentos quilos de recortes de revistas e jornais para referências de design de anúncios e, pior, referência fotográfica para desenhos e hqs! A que esses recortes se prestam quando posso entrar na Internerd hoje e buscar num banco de imagens pela referência que estou procurando ou simplesmente pegar minha câmera digital e pedir a alguém to "strike a pose" para ter o que preciso?? E o que eu faço com meu estoque de papel canson A4, A3 e A2 se eu tenho um tablet?! Eu tenho mesmo a ilusão de que terei ainda paciência para um dia preencher todas estas folhas em branco sabendo que o futuro é digital? A 2 centavos o quilo no ferro-velho da esquina, o computador fará com que meu estoque de papéis não valha sequer um real... Se minha gana de criar permanece, o suporte por sua vez mudou radicalmente. A arte cai bem no virtual, o mundo platônico ideal desliza suave no suporte digital. Mas tergiverso... e a verdade é que não consegui "deletar" meus recortes de jornais e revistas obsoletos: pretendo dar a eles um réquiem apropriado. Sujar a mão de tinta e poeira, lê-los, absorvê-los e descartá-los. Resistir à tentação de que algo ali pode ser útil um dia. Minhas fotos e referências não encheriam um CD. Minhas tirinhas do Calvin eu baixo no Kazaa... E fora brincar de túnel do tempo e lembrar o que se fazia pra se divertir ou o que rolava no mundo da informática dez anos atrás pra que continuar guardando tanto jornal velho?"

"Descongelando a geladeira hoje descobri o que acontece quando você esquece uma caixa de leite aberta um mês e meio na geladeira: ele vira uma substância branca e viscosa muito semelhante à criatura daquele filme, "A Coisa"... Estava vendo a hora em que aquele negócio pegajoso se acumulando no fundo da privada ia se levantar e pular no meu rosto... Hmm... Pensando bem, eu deveria tê-lo guardado na caixa e depois que me mudasse soltaria ele em cima dos vizinhos! Ou como uma bomba aérea sobre a maldita igreja crente embaixo da minha janela! Droga... agora já foi :( "

"Embora eu esteja mudando pra melhor, que sensação de vazio e tristeza trazem essas paredes nuas, que pontada no coração cada móvel desmontado e esvaziado... Passei tempo demais aqui, amei demais entre essas paredes... Trouxe minha personalidade sobre cada parte..."

"Síndrome de Michael Jackson?!

Alguém me explica essa. Meu gato não ficou com nenhuma seqüela, sequer um arranhão daquele infeliz episódio a não ser... um pequeno ponto falhado na orelha esquerda, onde os pêlos pareciam ter sido raspados, na lateral direita próximo ao olho dele. Tem mais de um mês isso, eu já fiquei preocupada e intrigada porque os pêlos não nasciam logo, será que a ferida matou a raiz dos pêlos, será que é micose, que remédio eu uso, levo no veterinário? Meu gato tem o pêlo preto e sedoso nas pontas, com uma pelugem castanha fosca na base e não tem uma mancha sequer em parte alguma do corpo, o que faz dele um belo gato preto cujo pêlo tem um brilho castanho. Até aí tudo bem. Só que hoje, do alto da minha miopia, fui checar o "status" da tal falha de perto e descobri que nasceram pêlos ali... todos BRANCOS. Eu tenho um gato preto com uma "mecha" de pêlos brancos na base da orelha! Bateu uma curiosidade bizarra de saber se eu raspasse o outro l,ado pra ficar simétrico, se os pêlos nasceriam
brancos também... Nããã... Deixa pra lá. "