quinta-feira, julho 19, 2007

Porque há poucas mulheres fazendo quadrinhos no Brasil?

Acabei escrevendo um e-mail imenso para uma das listas que faço parte quando a questão "porque quadrinhos parecem desinteressantes para o universo feminino" foi levantada. É que é meio juntar a fome com a vontade de comer. Precisa de polimento, mas o que eu observei, analisei e testemunhei empiricamente ao longo dos anos tá aí embaixo.

"Eu não acho o trabalho em quadrinhos desinteressante para o público feminino. O que eu tenho visto ao longo dos anos é uma mudança de cenário que ainda é infrequente no Brasil, mas existe sim. No próprio livro do Scott Mccloud, Reinventando os Quadrinhos, há um capítulo dedicado à diversidade.

O que eu tenho visto com relação a mulheres e quadrinhos no Brasil é interessante: nos anos 70 e 80, para o público infantil tínhamos Turma da Mônica, revistas estilo Barbie, Ursinhos Carinhosos etc ligadas a merchandising, Menino Maluquinho, Sítio do Pica Pau Amarelo e Disney para ler... Quando uma menina queria ler algo diferente, partia para os quadrinhos Marvel/DC, que eram "para meninos" e não havia opções menos infantis. Garotas lêem de tudo se houver uma história interessante por trás. Tive colegas de colégio que colecionavam Mad, Cripta ou telenovelas como Sétimo Céu. Eu mesma depois de determinada idade lia praticamente tudo que caia nas minhas mãos (e dei a sorte de pegar Lucky Luke, Asterix, Príncipe Valente dentre outros) mas não havia nem nunca houve no Brasil um mercado para formação de leitoras de quadrinhos pré-adolescentes e adolescentes. Desenhos animados até havia. Quadrinhos não. Claro que algumas garotas se interessaram em fazer quadrinhos de qualquer jeito, mas elas provavelmente sempre responderam por 1% da quantidade de garotos que começavam a desenhar o Homem Aranha e o Super-Homem nos cadernos da escola. E eram desestimuladas ou rotuladas com a única ambição coerente para uma garota que desenha quadrinhos: "um dia você vai trabalhar para o Maurício de Sousa".

Surge a década de 90 e de repente quadrinhos como Sandman, Monstro do Pântano e Livros da Magia começam a oferecer uma experiência completamente NOVA para as garotas. Do alto dos meus quinze anos eu lembro que olhei para aquilo e pensei que, pela primeira vez na vida, eu tinha descoberto um tipo de quadrinho que eu queria fazer. Ou coisas diferentes e interessantes, como os quadrinhos europeus publicados na Metal Pesado, na Porrada! e mesmo os quadrinhos do Laerte, do Glauco etc. Algumas meninas que só desenhavam bonecas com vestidos rendados e cheios de babados começaram a experimentar coisas diferentes nos cadernos, mas os meninos continuavam sendo muito mais incentivados.

Elas sempre foram as esquisitas, as exceções, as diferentes. Na hora de escolher a faculdade, o caminho invariavelmente segue na direção da faculdade de Belas Artes e muitas viram professoras de Educação Artística, outras artistas plásticas, umas poucas ilustradoras e algumas vão bater na porta do Maurício de Sousa :P

As outras são as que, como eu, escolheram trabalhar com publicidade ou design.

Das que se envolveram com quadrinhos e participaram de fanzines, normalmente foram as que faziam experimentos nas faculdades de artes ou as jogadoras de RPG.

Uma coisa legal que chamou a atenção de mais meninas para esse mercado foram eventos de quadrinhos que rolaram na década de 90, como a Bienal de quadrinhos e as Comic Manias etc. A maioria foi absorvida pelo mercado como ilustradoras ou simplesmente desistiu, mas elas estavam lá e chegaram a fazer fanzines e a publicar.

De repente em 2000 e tantos eu comecei a ver uma mudança no perfil das meninas que desenham, quando rolou o "boom" dos mangás. A indústria de quadrinhos japonesa sempre foi segmentada por idades e gênero, e as editoras trouxeram os Shonen e Shojos... Nunca vi tanta menina desenhando quadrinhos desde que os olhos cresceram :) E embora eu visse isso com um certo preconceito há algum tempo atrás, numa das últimas palestras de quadrinhos que assisti bati papo com uma menina que começou desenhando mangá e de repente começou a procurar por mais coisas além daquilo e estava desenvolvendo um estilo próprio de desenho, alternativo, e estava empolgada com os resultados que podia obter.

Não é que seja desinteressante para o público feminino. É que não há estímulo para a formação e renovação de público feminino leitor e produtor. As poucas que escolhem esse caminho são rotuladas como animais exóticos e diferentes. O mercado é quase inexistente e todo mundo tem de ganhar a vida, correr atrás, dar aula, fazer ilustração, trabalhar com publicidade... Curiosamente, desenhar mangá hoje em dia no Brasil tem se tornado uma das poucas coisas considerada uma tarefa mais feminina do que masculina e pelo que eu tenho observado em eventos ligados a animes e mangás, com cosplays etc, esse mercado está gerando um ciclo de pessoas que lêem, produzem e consomem com várias mulheres como desenhistas.

Fora os quadrinhos japoneses, mulheres consomem sobretudo quadrinhos alternativos e independentes. A questão é que normalmente são mulheres já envolvidas no meio alternativo e independente. Qualquer um compra quadrinhos da Marvel e da DC nas bancas, mas não é qualquer UMA que entra nas bancas para comprar quadrinhos. Normalmente vai ter pelo menos um piercing ou tatuagem, cabelo pintado, e preferir Vertigo a Tex.

Não acho que quadrinhos voltados especificamente para o público feminino vão funcionar. Eles tendem a ser forçados e garotas inteligentes não só percebem a diferença como se recusam a ser tratadas como idiotas. O que cria mulheres que fazem quadrinhos é acesso a quadrinhos e estímulo, ser socialmente aceita.

Não é verdade que outras artes não tenham o mesmo problema não... Que exemplos você tem de que isso não acontece?

Lanika
(que se empolgou :P)"