terça-feira, maio 29, 2007

Da depressão e do mercado de trabalho atual

Acabo de ver na televisão sobre uma iniciativa para facilitar a inserção de pessoas com deficiência física no mercado de trabalho.

Volta e meia aparecem programas oferecendo qualificação profissional para as pessoas que moram nas favelas. Desses último, aliás, eu tenho inveja às vezes. Eu não moro numa favela, mas não tenho dinheiro para nada e provavelmente nunca vou poder fazer cursos de edição de vídeo, aprender como se trabalha num estúdio de tv, ter acesso a cursos gratuitos de softwares 3D e outras iniciativas. Eu ADORARIA aprender essas coisas, provavelmente iria conseguir um emprego legal se fizesse esses cursos, mas eu tenho que pagar por eles e infelizmente não sou filhinha de papai e tudo o que conquistei até hoje foi por conta do meu próprio esforço, mas deve ter cinco anos que
eu quero fazer aquele curso da Fábrica de Quadrinhos e provavelmente vou continuar querendo por bastante tempo ainda. Que dirá cursos de Flash, que muda tudo a cada seis meses, ou de programas para animação em 3D... O interessante é que eu não sou a única. Se meus amigos forem alguma referência, existe uma grande quantidade de pessoas com idade entre 23 e 35 anos, nível universitário, formados a mais de 3 anos na faculdade, que ganham mal e porcamente o suficiente para sobreviver e pagar as contas quando empregados e não conseguem ter algo sobrando para investir em atualizações da carreira. Os que fazem cursos normalmente ainda moram com os pais, porque ou você paga um terço do seu salário de mensalidade ou paga os custos de ter um apartamento. As mensalidades dos cursos costumam custar mais que um salário mínimo...
A questão aqui não é reclamar e dizer que pessoas que moram em favelas têm vantagens; é apenas reclamar que não existem programas de atualização profissional e de integração ao mercado de trabalho de pessoas qualificadas, não recém-formadas na faculdade, de classe média baixa. Mas existe uma questão que eu acho bem mais importante e que está na minha mente há tempos.

Que tipo de programa existe para facilitar a re-inserção ou inserção no mercado de trabalho de pessoas com deficiências mentais moderadas?


A realidade dos fatos é esta aqui:

"Segundo previsão da OMS, até 2020 a depressão será a segunda maior causa de incapacitação no trabalho Veículo: Jornal de Brasília

Seção: Cidades
Data: 22/08/2005
Estado: DF

Não é exagero referir-se à depressão como "o mal do século 21". A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que, até 2020, a depressão será a segunda maior causa de incapacitação no trabalho, perdendo apenas para doenças cardíacas. Segundo o presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília, Antônio Geraldo da Silva, de cada dez pessoas que precisam se afastar do trabalho, cinco sofrem de transtornos psiquiátricos, principalmente de depressão.

O Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) confirma que a depressão tem afastado muitos brasileiros das atividades profissionais. "Há um número grande de pessoas longe do trabalho por esse motivo", afirma Maria Lúcia Tavares, médica-perita do INSS.

Ela esclarece, ainda, que a depressão vem prejudicando trabalhadores cada vez mais jovens. "A faixa de comprometimento está se alargando. O número de pessoas com depressão na faixa produtiva – dos 20 aos 50 anos – é alto", diz a médica. Há, inclusive, casos de incapacidade permanente em conseqüência causados pela depressão, levando à aposentadoria. "São pessoas que não respondem aos tratamentos, casos crônicos", diz. "


Fonte: Associação Psiquiátrica de Brasília

Eu fui burra: acreditei na minha psicóloga e na minha psiquiatra na época em que ainda estava trabalhando, de que não deveria entrar com o auxílio-doença porque poderia dar a volta por cima a curto prazo. A empresa me mandou embora de um jeito ou de outro, assim como a vários outros empregados porque estava no vermelho, eu já estava com depressão e depois disso só piorei, passei um ano e meio, quase dois tendo a crise de depressão mais severa que já aconteceu na minha vida, perdi meu apartamento, minha independência, me endividei toda, um inferno. De quebra ainda ganhei síndrome de pânico de presente no pacote, mal conseguindo sair de casa.

Posso dizer de carteirinha que o atendimento público a quem não tem dinheiro para pagar por sessões de psicoterapia e consultas psiquiátricas para obter os remédios, ou mesmo pagar pelos remédios, que são caros, é uma merda. Chega a ser ridículo: você está com depressão grave, pensando em se matar, faz um esforço para sair de casa, vai até um Centro de Atendimento do governo e te mandam voltar na quarta às seis horas da manhã para passar por uma triagem que irá te colocar numa fila de espera e talvez entre três a quatro meses você seja chamado para ser atendido. Quem está deprimido e com tendências suicidas não vai esperar três meses para se matar! Só irá sair dali mais deprimido ainda por ter pedido ajuda e não ter conseguido, irá pensar que não tem jeito mesmo e, se tiver de seguir seus impulsos, o fará. Os locais de atendimento também são deprimentes: sujos, escuros, impessoais.

Os únicos lugares de atendimento gratuito ao público que prestam são as Universidades. Lá, embora você tenha de passar pela tal triagem de quarta-feira, o atendimento é humano e as pessoas te ligam em poucos dias marcando o início do tratamento. O único senão é a rotatividade dos psicólogos, que é alta.

Agora que estou bem, penso em como outras pessoas passam pelo mesmo que eu passo. Finalmente, graças a uma equipe composta de um neurologista, uma psiquiatra e uma psicóloga de uma clínica militar (vantagem que eu tenho mas muitos não têm), estou tomando remédios que cuidam de cada aspecto da minha doença, estou estável desde janeiro e me preparando para voltar a trabalhar. Enquanto o novo emprego não pinta, vou fazendo meus freelancers. Estou namorando, estou estudando na medida do possível, usando tutoriais da web, para me atualizar sobre os softwares exigidos no mercado, e é um bocado de coisa, tudo mudou em dois anos, só para variar. Pelo menos a Adobe lançou o CS3 agora, o que me dá a vantagem de estudar logo os novos programas recém-lançados enquanto eles estão sendo adquiridos pelas empresas.

E eu fico pensando: Se a empresa em que eu trabalhava tivesse algum tipo de programa de prevenção ao stress e à depressão, de incentivo à qualidade de vida do funcionário, eu poderia ter começado a me tratar mais cedo e talvez evitar que a depressão tenha se tornado tão profunda e incapacitante. SE a tendência atual é de que cada vez mais pessoas sejam afastadas do trabalho/percam sua capacidade de trabalho, temporária ou permanentemente, por conta desta doença, porque diabos as empresas não investem em medidas preventivas e de apoio a funcionários que apresentam sintomas visíveis de depressão? Porque esperar até que a pessoa afunde e se torne incapacitada para cumprir suas funções? Até onde vale deixar alguém que é prata da casa se perder e ter de treinar um substituto para a mesma função do zero? E quantos substitutos irão durar se as condições de trabalho continuam as mesmas? Será que os custos da alta rotatividade na vaga aliados à queda na qualidade naquele setor compensam?

E não existe um programa de incentivo para pessoas qualificadas que ficaram ausentes do mercado de trabalho por conta de uma crise de depressão severa, ou pânico, ou whatever, por mais que elas se encontrem estabilizadas e tomando todos os seus remédios. Não é muito diferente de ter que tomar remédios para controlar a pressão alta ou problemas cardíacos. Ainda assim, ainda resiste o preconceito, como se uma pessoa que passou por uma crise de depressão fosse incapaz de honrar com seus compromissos e arcar com responsabilidades.

O INSS cria situações onde uma pessoa com doutorado, mestrado, bagagem profissional de anos só possa voltar a trabalhar em funções como telemarketing, caixa de loja etc. Empresas que fazem recolocação de executivos no mercado de trabalho costumam cobrar caro pelos seus serviços. Se a situação está cada vez pior a ponto da OMS alertar para o impacto que a depressão está tendo e vai ter nos próximos anos no mercado de trabalho, alguma ação de reintegração de profissionais e de prevenção à doença dentro das empresas deveria ser instaurada para ontem, e não depois que a bolha de encostados no INSS for superior à quantidade de pessoas trabalhando. Não muito diferente da questão da previdência social e o número crescente de aposentados. Colapso à vista, com as custas nas costas do trabalhador, só para variar.

A saída imediata continua sendo o mercado informal. Sem carteira assinada, sem impostos, sem muita escolha, mas sobrevivendo.