Padeço do mesmo mal de Isabel. Talvez por isso tenha me identificado tanto com a sua angústia. Doeu, mas foi bom. Saber que não sou a única...
"Eu ia contrair matrimônio antes de um ano. não sei se foram as circunstâncias em que transcorreu a minha vida durante a infância e adolescência que me davam nesse tempo uma noção imprecisa dos fatos e das coisas. O certo, porém, é que nesses meses em que se cuidava dos preparativos das minhas bodas, eu ainda ignorava o segredo de muitas coisas. Um ano antes de me casar com ele, lembrava-me de Martín através de uma vaga e irreal atmosfera. Talvez por isso é que desejava tê-lo perto, no quartinho, para me convencer de que se tratava de um homem concreto e não de um noivo conhecido no sonho. Não me sentia, porém, com forças suficientes para falar dos meus projetos à minha madrasta (...)Mas a minha covardia, a minha absoluta falta de decisão, juntava-se à nebulosidade do meu prometido. Recordava-o como uma figura vaga, distante, cujos únicos elementos concretos pareciam ser o bigode brilhantes, a cabeça um pouco inclinada para a esquerda e o eterno paletó de quatro botões.(...)
De tarde Martín e eu íamos com minha madrasta para as plantações. Quando, porém, eu o via voltar na claridade malva do crepúsculo, quando estava mais perto de mim, caminhando junto a meu ombro, então me parecia mais abstrato e irreal. Sabia que nunca seria capaz de imaginá-lo humano ou de encontrar nele a solidez indispensável para que sua lembrança me desse ânimo. (...) Até a idéia de que ia me casar com ele era, para mim, ainda inverossímil um ano antes das bodas. (...)
Eu ouvia falar da sua volta em dezembro (...)mas já não o concebia como um sr real. Dizia a mim mesma: "Martín, Martín, Martín". E o nome examinado, saboreado, desmontado em suas peças essenciais, perdia para mim todo o significado. (...)
Em julho ele já estava em nossa casa. Gostava de encostar-se no corrimão. Dizia: "Lembre-se de que eu nunca a olhava nos olhos. É o segredo do homem que começa a sentir medo de se apaixonar." E era verdade que eu não me lembrava dos seus olhos. Não poderia dizer em julho de que cor eram as pupilas do homem com quem ia me casar em dezembro."
extraído de O Enterro do Diabo (La Hojarasca), Gabriel García Marquez
Sim, meu passado não me pertence. Pertence às pessoas com quem o vivi que se lembram dele. Muito pouco resta dentro de mim. Tudo se evanece, se dissolve, evapora lentamente. A coisa mais cruel que alguém possa fazer comigo é dizer "lembra quando fomos a tal lugar e você disse isso?" Não, eu não lembro. Gostaria desesperadamente e isso dói. Constatar que perdi mais um pedaço de mim. Como eu gostaria de lembrar! E isso me escapa e por mais que eu tente me forçar a registrar em minha mente a ferro e fogo os momentos marcantes que vivi constato amargamente que SEMPRE falho. Vivo sempre o presente, mas não por questão de escolha. É porque nada resta. E é triste saber que qualquer pessoa pode e usará minha falta de memória contra mim.