sábado, agosto 23, 2008

The long way home

Na última semana recebi dois e-mails interessantes, de pessoas que leram um post aqui nesse blog sobre depressão e o mercado de trabalho, que me fizeram pensar.

Andei refletindo sobre isso, e acho que chegou a hora de tomar uma decisão importante: bater um papo com a minha médica e começar o processo para, finalmente, parar de tomar a Venlafaxina. É um processo lento, o de parar de usar um anti-depressivo, e não é uma decisão a ser tomada de forma leviana. Eu nem me lembro mais direito da data, mas deve ter dois ou três anos que eu tomo Venlift, e estou estável já tem algum tempo. Sinto que, nos últimos tempos, ando tomando o remédio mais para evitar os efeitos colaterais horríveis da abstinência (brain zap, tremedeira, etc.) do que para manter o meu humor estável. Claro que as coisas não são tão simples assim: Depressão é uma doença que afeta a forma como seu cérebro lida com duas coisas: a produção de serotonina cai e a de cortisona vai às alturas. A função do remédio é, justamente, regular a produção dessas duas substâncias. Teoricamente, depois de algum tempo sendo estimulado artificialmente a manter os níveis de produção de serotonina e outros neurotransmissores, o cérebro se adapta e consegue manter esses níveis sem o medicamento.

Tem gente que simplesmente acha que ficou boa porque não se sente mais deprimida e pára de tomar os remédios por conta própria, daí tem recaídas horrorosas. Eu já me conformei com a idéia de ter de tomar o remédio para o resto da vida, ou enquanto ele funcionasse, até porque anti-depressivos têm isso: seu corpo se acostuma com eles e você precisa trocar de medicamento. Aconteceu comigo várias vezes ao longo dos anos. Por isso, nada de decisões estúpidas deste lado aqui do teclado: um longo papo com a minha psiq e a opinião dela se devo apenas reduzir a dosagem ou eliminar de vez o remédio da minha vida é fundamental. Eu me sinto curada. E feliz com isso, é inacreditável, nunca pensei que uma pessoa que tem depressão desde criança pudesse se libertar do câncer que devora a alma.

Não que eu não tenha recaídas, e é outra coisa que quero abordar com a doutora: eu fico deprimida, sim, mesmo com remédio, na época da TPM. Fico surtadinha. Tenho recaída, inclusive, da síndrome de pânico. Mas acredite em mim: é um GRANDE alívio saber que a crise só vai durar umas horas. Eu posso viver com isso. É muuuuuuiiiito melhor e aceitável do que ter crises que duram anos. E claro que eu pretendo traçar um plano de ação para tornar a vida menos insuportável para mim e as pessoas que têm de conviver comigo durante a TPM rs...

É estranho, e maravilhoso, me sentir curada. Quando eu leio emails como os que recebi, e quando eu lembro que ano passado, quando eu estava na emergência do hospital por conta da operação de retirada da vesícula, na maca ao lado da minha tinha uma menina linda que tinha tentado suicídio, as palavras dela, o olhar, tudo, e eu me vi algum tempo atrás, eu sei como ela se sentia, a dor, a solidão, o cansaço imenso de estar viva, eu estava correndo o risco de morrer naquela maca mas estava tão viva, e disse a ela que tinha passado por aquilo, que apesar de tudo valia a pena ela lutar para sair daquela situação, parecia impossível mas acontecia, e ela disse que ninguém entendia o que estava acontecendo com ela, família, marido, ninguém... e aconteceu comigo, meu pai dizia que era frescura, tanto preconceito, eu precisei ficar doente de uma forma muito grave para perceberem que era uma doença de verdade... eu disse isso a ela, disse que EU entendia, que EU passei por aquilo e que eu estava BOA agora. Mesmo numa cama de hospital, eu estava ótima :) e continuo ótima agora :)

Nunca fui tão feliz na vida, tenho um emprego que adoro, um marido/namorado/namorido com quem quero passar o resto da minha vida maravilhoso, que me ama, me adora e me aceita do jeito meio torto que eu sou, um filho lindo que daqui a pouquinho vai fazer 10 anos e motivos fortes para lutar e seguir em frente. E acho que os tempos de depressão grave me deixaram mais sábia e tranquila perante a vida: preciso de pouco para ficar bem e ser feliz, não me aborreço com bobagens nem me irrito com pouca coisa. Paz e carinho dão bastante conta do recado :)

Hum, tá, continuo detestando gente que gosta de ser burra e sendo anti-social, ninguém disse que porque estou curada tenho de ser a Pollyanna. Aliás, Pollyanna de cu é rola >:P

Falando em TPM, comprovei que o motivo pelo qual tive uma recaída do pânico há alguns posts aí embaixo foi ela rs... Como sói acontecer, Murphy me adora e essa semana acumulou TUDO: countdown para a nova versão do site do trabalho, reforma em casa, retirada de dois dentes e, ainda por cima, passei mal horrendamente dias sem entender porque e quinta agora cheguei a ir no hospital e descobrir que o antibiótico teve uma interação medicamentosa maluca com o antidepressivo, o que me fez ter tremores intensos, taquicardia, minha pressão já baixa ficou tão baixa que o medidor de pressão do hospital não conseguia detectar e o enfermeiro teve de medir usando um aparelho manual, fiquei tonta, minha visão ficou alterada, um inferno. Suspendida a Amoxicilina, fiquei boa em poucas horas. Aliás, esse também é um dos motivos pelos quais eu acho que tá na hora de parar com o remédio: se eu conseguir ficar 100% bem sem ele, chegou na fase em que tá fazendo mais mal do que bem. Não vale a pena continuar só pra evitar o withdrawal.

De resto, este post foi motivado pela vontade de compartilhar em público o que eu já compartilhei várias vezes com todos os amigos queridos que me acompanharam e ajudaram ao longo dos anos, e parte de um compromisso teimoso comigo mesma de que FALANDO sobre o que aconteceu comigo, mesmo que eu choque algumas pessoas, mesmo que eu esbarre em preconceitos, besteiras diversas e incompreensão, eu consiga romper um pouco essa barreira, ajudar alguém que pode estar se sentindo agora como eu me senti há uns dois anos atrás (porque o que a gente MAIS sente nessas horas é que NINGUÉM ENTENDE o que a gente está passando - mas quem passou por isso entende SIM, e muito bem) e, quem sabe, diminuir um pouco o preconceito.

Sim, é difícil, demorado, cansativo e extremamente solitário, mas para sair de uma crise de depressão profunda sem ser através da solução que passa o tempo todo pela cabeça de quem está deprimido (i.e., se matando). A gente não acredita que dá, acha que não tem mais jeito, que não vale a pena, está tão terrivelmente cansado de tudo e da dor insuportável, mas um pouco de apoio, aceitação, carinho, remédios para resolver a parte detonada do cérebro e terapia para ajudar a sair dessa resolvem sim. Ninguém é mais FORTE do que alguém lutando para vencer uma depressão, por mais fraco que se sinta. E acho que a maior sensação de sair do período de crise é um tremendo alívio pelo fim de toda aquela luta, de finalmente ter paz e poder se dar a chance de curtir a vida e ser feliz.

Vamos ver daqui a algumas semanas como é que o mundo se parece sem a ajuda da pílula azul :P