O cara gordo ao meu lado na van na volta pra casa puxa assunto perguntando escatologicamente se eu havia visto os dois corpos de manhã na praça perto da minha casa... Respondo secamente "Sim, vi." E corto logo o assunto "Me desculpe, mas não sou fã de violência". E fico pensando com meus botões nessa realidade Blade Runner em que a gente vive... Há dois dias assaltaram as lojas da outra entrada do meu prédio. Seqüestraram e assassinaram um amigo do meu pai pouco antes da minha ida pra Sampa. Deixo meu filho de manhã na escolinha, sigo rua abaixo para o ponto de vans e "tá lá o corpo estendido no chão". A única coisa que consigo pensar é: "espero que tenham sido os dois assaltantes"... Frio assim. E fico me perguntando como pode que eu seja tão fria e distante com algo tão chocante e tão sensível, sensível até demais com as coisas do meu coração, da minha vida, do meu umbiguinho enfim... Questão de sobrevivência, talvez? Ou a gente só acaba ficando anestesiado? Sou capaz de sentir a dor na alma do mundo e incapaz de sentir compaixão pelo corpo estendido no chão... Cruel. E real.
Mas ainda não entendo quem transforma todo esse sangue em espetáculo, notícia, algo interessante pra comentar com alguém na viagem de van. NÃO entendo quem desacelera o carro, espicha o pescoço, faz círculos em volta dos corpos, essa curiosidade mórbida, essa sede de sangue... Isso me dá nojo, um nojo profundo desse tipo de gente. Não compartilho, não comungo com isso. Posso estar anestesiada, mas não vou jamais tratar a violência dessa forma estúpida e banal. Às vezes eu me espanto quando me pego pensando que sim, acho que todo estuprador tinha de ser no mínimo vítima da mesma violência que praticou ou então morto... O menino assaltante de hoje é o assassino de amanhã. Só falta o curso de especialização e o upgrade fornecido por uma boa passagem pela prisão. Realidade Blade Runner... Fico lembrando da secretária do meu ex-trabalho, a namorada do namorado. Loirinha, meiguinha, crente, modelo de virtude e virgem como a Britney Spears... :-) Um doce de menina. MAS adorava ler os cadernos mais populares dos jornais e reclamava quando vinham fotos em preto e branco "porque não dá pra ver o sangue". ISSO vindo de uma menina que viu um amigo morrer baleado por um assaltante na sua frente (diz ela)... Nessas horas não tinha nada de meigo no brilho sádico e na curiosidade mórbida que eu via no seu olhar...
Fat guy at my side in the van on the way home forces scatologicallty a conversation asking me if I had seen the two bodies this morning at the square close to my house... I answer dryly " Yes, I saw." And I cut the subject "forgive me, I am not fond of violence". So I keep thinking to myself about this reality Blade Runner we live by... It has two days someone assaulted the store of the other entry of my building. Bandits had kidnapped and assassinated a friend of my father before I went to Saint Paul. I leave my son this morning at kindergarten, come down the street going to vans's stop and " there goes the body extended in the soil" like a brazilian song says. The only thing I come to think is: " I hope that they were those two assailants of later night"... Cold thus. I ask myself how can I be so cold and distant with something so chocking and so sensible, sensible until the end with the things of my heart, of my little boring life... Question of survival, perhaps? Or people finish being anestesiated by everyday's violence? I am capable to feel pain in the soul of the world and incapable to feel compassion for the body extended in the soil... Cruel. And REAL. But still I do not understand what transforms this blood into spectacle, notice, something interesting to comment with somebody in the trip back home. I do not understand who decelerates his vehicle, stretches his neck, makes circles around bodies, this morbid curiosity, this thirst of blood... This kind of people gives me urge to vomit. I can't share, comungate with this kind of stuff. I can be anesthesiated, but I never will deal with violence this dull banal way. Sometimes I astonish myself when I catch me thinking that yes, I think all violators had to be at least victim of the same violence they practised or then be dead... The boy assailant of today is the assassin of tomorrow. He only lacks the course of specialization and upgrade supplied by a good time past in the prison. Blade Runner Reality ... I remember the secretary of my last work, the girlfriend of the boyfriend. Blondie, sweetie, protestant, model of virtue and virgin as Britney Spears...: -) A candy girl. BUT she adored to read the most popular and bloody periodicals and complained when came photos in black and white of murdered people "because she couldn't see the blood". THIS comes from a girl who saw a friend die in front of her murdered by an assailant (says she)... At these times she hadn't nothing sweet in the sadist brightness and the morbid curiosity onto the look in her eyes...