sábado, novembro 16, 2002

Triste.

Meu Pai. O velho leão está a cada dia que passa mais doente e cansado. Ele está perdendo a batalha. Eu sinto que, apesar de toda a hipocondria e neurose da minha mãe, é ele quem vai primeiro. E eu não sei, não consigo sequer pensar o que vai ser de nós todos, o que vai ser de mim sem ele.
Estamos na sala. Minha mãe olha um álbum de fotografias da Márcia, noiva do meu irmão. Pedaços de um passado que ela devora avidamente porque não estiveram antes sob suas mãos. Eu digo a ela que estou feliz, porque no meu hd e nos meus cds tem fotos que ela nunca viu nem vai ver. É bom saber que tem coisas que ela não pode tocar, lugares em que ela não alcança.
Está passando Jorge Aragão na TV. E meu pai comenta, vendo Fundo de Quintal, tão cansado..."isso é da época em que eu era feliz e não sabia..." Estávamos conversando mais cedo. Eu disse a ele que sempre soube que, quando tivesse filhos, eu veria meu passado mais uma vez nos gestos dele mas que a cada dia me surpreendia espelhada no Gabriel, re-descobrindo coisas que eu fazia quando era criança no meu filho. E me lembro quando eu tinha a idade dele e meu pai me levava para os pagodes de fundo de quintal, eu era sua "princesinha", meu irmão Alex ainda bebê, o cheiro de cerveja e churrasco, o batuque, os instrumentos, as pessoas que hoje em dia só vemos na tv... E hoje meu irmão é um homem de 23 anos. E dia 28 agora ele vai se tornar milico. E em janeiro ele vai casar e provavelmente servir em outro Estado e não vou vê-lo tão cedo...
...E antes disso, em dezembro, eu vou fazer 27 anos. E cada vez mais me sinto apenas contando tempo. Não recebo mais presentes. Não tem ninguém mais que faça festa. Cheguei naquele ponto em que você só recebe os parabéns e isso já é grande coisa, quando as pessoas se lembram ou quando você diz a elas que está fazendo aniversário. E eu me pego aqui, tentando planejar o futuro do meu filho, pensando em colocá-lo em meio período na escola para botá-lo no inglês, resolvendo se vou deixá-lo se alfabetizar na creche mesmo ou se vou trocá-lo de escola e tentando pensar onde vou encontrar nesta cidade idiota um lugar que ofereça informática, natação e inglês e quanto isso vai me custar. E me sinto terrivelmente SOZINHA. Eu não tenho ninguém pra dividir esse peso e essa vida comigo. Ninguém pra abraçar esta noite. Ninguém pra me dizer que vale a pena.
Daqui a uma semana vai ser aniversário do Alexandre, meu ex-marido. Minha sogra vai levar o Gabriel para vê-lo, ELE não se manifestou para ver o filho em mais de um ano. A bisavó do Gabriel está à beira da morte e pediu para ver o bisneto uma última vez. Como dizer não? Estar com o Alexandre nos últimos anos era pior do que estar sozinha, sei que estou melhor assim e não me arrependo uma vírgula das escolhas que fiz. MAS sinto falta de ter alguém, alguém de verdade do meu lado, dormindo na mesma cama que eu e fazendo planos pro futuro na mesma direção, lutando junto comigo. Fico pensando se algum dia estarei velha e cansada, desistindo da vida depois de tanto lutar, como o meu velho leão se deixando levar lá embaixo... Ele, para o bem e para o mal, teve a minha mãe a seu lado por 28 anos. Eu fico aqui me perguntando se algum dia alguém ficará um pouco que seja ao meu lado ou se terei que criar meu filho sozinha, levar minha vida sozinha, beber desse cálice até a última gota... Acho que eu também estou muito cansada. Acho que eu quero coisa demais.