quarta-feira, maio 07, 2003

MATERNIDADE

Embora maio seja marcado como mês de noivas, fertilidade, maternidade e casamento por causa da influência do hemisfério Norte, onde agora se celebra o auge da força da primavera, não posso deixar de pensar que maio, no hemisfério Sul, também é um mês prenhe de mistérios... Há poucos dias celebramos Samhain... e sempre que penso em Samhain, penso na passagem de poder, na força do Deus retornando ao ventre, potencial, adormecida, amadurecendo e se transformando para renascer no mistério do deus menino em Yule... Penso em quanto de sua força e vitalidade o homem doa no instante de prazer em que deixa sua semente no ventre de sua amada, e de como essa força masculina se encontra e se funde com a semente que a aguarda para se transmutar no milagre mais perfeito da natureza: a geração de um novo ser... que docemente se instala no útero quentinho da mãe-por-ser e rapidamente começa seu processo laborioso de se preparar, lenta e detalhadamente, para o dia em que dali sairá para conhecer o mundo com toda a magia que apenas os olhos imaculados de um recém-nascido podem ver... Lembro da minha própria longa jornada, desde o momento em que naquela noite de aniversário do homem que eu amava percebi que uma magia peculiar se operava no meu corpo até as pequenas descobertas e incômodos da jornada... dentro de mim crescia uma força que vinha de mim, vinha do meu amor e não era minha... semente plantada em solo fértil cheia de vida e independente, um pequeno coração que um dia o ultrassom mostrou batendo aceleradamente em contraste com o meu, tão grande e batendo meio descompassado de emoção... as noites em que senti essa vida pela primeira vez se mexer dentro do meu ventre, o orgulho em exibi-lo grávido e pleno e de me saber bela enquanto esperava com uma certa ansiedade para finalmente olhar nos olhos daquela criaturinha que causava revoluções e transformações dentro de mim mesma... A certeza de que aquela pessoinha dentro de mim tinha personalidade própria e agitada, gostava que eu cantasse para ela baixinho, de cosquinha nos pés e só fazia o que queria quando bem entendesse (a despeito da minha ansiedade me deixou esperando sete meses para saber se era menino ou menina, se escondia a cada tentativa do ultrassom, rs...)
Estamos em um momento em que a própria natureza medita silenciosa sobre seu ventre grávido e deixa sabiamente a força contida em seu seio se nutrir, descansar, se fortalecer e se preparar para emergir plena de esperança em meio ao momento mais frio do inverno...

E toda gravidez também antecede um sacrifício de sangue... A despeito de toda a tecnologia, anestesias e quetais, ainda é a dor mais excruciante que uma mulher pode sentir... Toda mulher, pelo menos por um segundo, deve pensar que vai morrer ali, no parto... E o milagre mais extasiante que toda mãe conhece é que não importa o quanto você sangrou, chorou e sofreu, tudo isso desaparece no momento em que colocam aquele pedacinho de gente nos seus braços... e sim, todas nós contamos os dedinhos das mãos e dos pés, todas nós olhamos embevecidas para aquela coisinha enrugadinha e ouvimos o bater acelerado do coração do nosso filhote... A transformação em mãe é lenta e sábia, se reafirma a cada dia no crescer da barriga mas é coroada no momento em que se é irremediavelmente marcada, aberta, transmutada para o resto da vida pelo parto. É outra mulher a que sai da mesa de parto... em verdade uma parte de nós morre ali, mais irresponsável e infantil, no esforço de dar a luz, não há espaço para a menina que fomos na mãe que seremos a seguir: ela se transfere docemente de dentro de nós para a criaturinha que agora amamentamos e sabemos, com a sabedoria instintiva que abençoa a catarse que completa esse processo de ser mãe, que ela é a melhor parte de nós e um ser completamente novo e diferente, mas que sim, nossa infância magicamente continua nela... E relembramos este fato a cada vez que nossos filhos com seus olhos de descoberta vêem pela primeira vez alguma coisa deste mundo com a qual já nos acostumamos e lembramos achando graça que um dia também fomos crianças para encher o mundo com nossa curiosidade insaciável... Pacientemente viramos gatas lambendo as crias e suportamos quando pulam sobre nós, até que ganhem segurança devagarinho e se soltem das barras de nossas saias... Também perdemos a paciência e lhes aplicamos umas boas palmadas, ah esses pequenos seres voluntariosos que sempre transbordam tanto de nós e nos fazem viver a vida novamente através de seus olhos, desta vez com a tarefa quase impossível de ensiná-los e quase sempre terminando por aprender com eles...

Já que o resto da semana será marcada pelas prováveis mesmas abóboras de sempre, fica aqui minha pequena reflexão sobre o domingo por vir...