somewhere in between...
... Momentos que são como pequeninas pérolas, de brilho suave e precioso, tão raros e tão perfeitos que passamos a vida guardando-os preciosamente, numa prece silenciosa e com uma certa ansiedade pedindo por mais e mais deles. Esse era um destes. Cada amanhecer sempre traz uma prece, um agradecimento silencioso e já tão intrínseco à sua própria natureza que faz simplesmente parte da plenitude de cada despertar... Um despertar doce, preguiçoso e completo... Existem momentos na vida, raros momentos, que poderiam perdurar para sempre e é com melancolia que vemos os minutos se escoarem lentamente por entre os dedos enquanto os vivemos, uma angústia doce, uma certeza triste... porque havia na boca ainda o gosto dos beijos saboreados por horas a fio noite adentro, no corpo ainda as marcas das mãos de dedos longos e finos e a cama não estava vazia... Abrir os olhos devagar, sabendo que o sonho das lembranças que a escuridão se esvaindo para dar lugar à luz já arrastava lentamente para longe era mais real do que aquele sono pesado e doce e que aquele momento, ali e agora, era mais perfeito e mágico que qualquer sonho, e simplesmente olhar para o lado... com um sorriso nos lábios. Será - sempre se perguntava nessas horas - que ele sabe, que pode sentir esse imenso amor dentro de mim? O menino. O homem. Admirar demoradamente aquela presença adormecida a seu lado... Os cabelos despenteados, curtos, negros, brilhantes, bem cuidados... gostava de simplesmente deixar seus olhos vagar por eles, táo lisos e finos, emoldurando a linha máscula da testa jovem... percorrer com o olhar cada detalhe daquele rosto, a pele muito branca - ela sempre se admirava, gostava dos homens morenos, sempre a lembravam das pinturas egípcias onde mulheres de pele clara contrastavam simbolicamente com homens de pele mais escura, ou das lendas indianas... mas ela amava tocar aquela pele tão branca e macia, tão diferente do bronze natural que sempre procurava, com um perfume suave, tão discreto, frágil e sedutor... havia ainda em sua superfície muito do menino que o homem havia deixado de ser há tão pouco tempo, esse homem que começava a se delinear em formas cada vez mais definitivas, que irrompia nos pêlos longos e abundantes, sedosos e negros que se distribuiam de forma máscula e sedutora por todo seu corpo... Ainda restavam traços do menino no homem, e essa dualidade a encantava... Seu olhar admirava as sombrancelhas grossas contrastando com os cílios longos, a pele tenra contrastando com cabelos e pêlos negros, a boca rosada de lábios finos cujo desenho e perfume faziam com que ela simplesmente não pudesse chegar perto sem ser tomada por um desejo quase incontrolável de beijá-los... Ficou admirando mais uma vez aquele rosto e se perguntando que magia secreta existia por trás daquelas linhas que as tornavam tão desejáveis... não sabia dizer, não havia explicação. Era algo que simplesmente nascia de algum ponto distante dentro dela mesma e irrompia até a superfície da pele, uma onda de ternura tão natural que não saberia dizer se ela algum dia fora plantada ou sempre estivera ali, esperando que aquela criança a despertasse e a chamasse sobre si... Felicidade era simplesmente estar ali e vê-lo adormecido... Percorreu com os dedos as linhas do seu rosto, reafirmando o caminho traçado incontáveis vezes por seu olhar... tocou com suavidade seus lábios, sentiu a aspereza dos fios da barba nascente, deixou seus dedos escorregarem sem pressa por seu pescoço até pousarem na curva forte do seu ombro... Depois deixou-os mergulhar no frescor dos cabelos negros, acariciando-o simplesmente pelo prazer de sentir o contato dele em seus dedos... Minutos se passaram até que pálpebras de longos cílios negros se entreabrissem revelando o brilho doce do olhar dele, os músculos da face num esboço de sorriso e ela sentisse os dedos dele de encontro aos seus, sua mão a guiando para pousá-los sobre os pêlos do seu peito, até que fosse simplesmente impossível não tocá-lo e não querer procurar com os lábios seu beijo... E que o frescor do toque de seus lábios a fizesse fechar os olhos e simplesmente se entregar, mais uma vez, sem sentir mais nada que não o contato do corpo dele, querendo que o momento não terminasse, que seus lábios sempre se procurassem, que o momento em que o sentiu mais uma vez abraçá-la pudesse permanecer para sempre... A felicidade de sentir esse toque mais uma vez, a ansiedade por não saber até quando... a pérola sendo lapidada lentamente, por dedos suaves e cuidadosos...