segunda-feira, março 17, 2003

O amor sem conteúdo

Há pouco tempo atrás o Bixcoito estava reclamando de blogs de apaixonados. Eu parei para pensar sobre isso, de graça, hoje de manhã. Realmente é um saco quando você entra num blog e tudo que encontra são quinze linhas dizendo “Tô com saudade” e os únicos comentários são dos amigos do casal dizendo “que lindo”. O amor aqui se tornou um fim, e não um meio. Não se chega a nenhum lugar e nada mais existe. Uma vez o André reclamou que “quando se está feliz não se produz poesia”. Tendemos a viver com tanta intensidade o prazer, as paixões, e nos dar ao outro com tanta força que pouco sobra para o resto do mundo. Punch-drunk love, amor também embriaga e nos agarramos a ele como a uma droga.
MAS eu não acredito que ser feliz no amor seja antagônico com escrever bem. Existe emoção sim em “Tô com saudade”, não estou negando isso. Uma emoção tão forte e tão intensa que somente os dois que estão vivendo isso podem realmente entendê-la. Mas eu seria uma mulher feliz se encontrasse no blog do meu amado os textos inspirados que sempre fizeram seu estilo, ainda mais brilhantes e inspirados porque dedicados a mim. “São ... horas da manhã e não consigo adormecer. Como pode uma metade dormir sem a outra?” uma vez Zélia disse a Jorge Amado. “Onde estará o meu amor?/Se a voz da noite silenciar/Raio de sol vai me levar/Raio de sol vai lhe trazer/Onde estará o meu amor?/ Será que vela como eu?/Será que chama como eu?/Será que pergunta por mim?”. É disso que me lembro quando estou com saudades. Não sou uma menina com uma flor, não uso mais anel de lua e estrela, e nem sei se meu all star azul (o meu é florido, kkk) combina com os tênis dele, rs. Sei que cada história de amor é diferente, e assim é que é bom: cada pessoa que passa por nossas vidas traz um novo olhar sobre nós mesmos. Mas o amor sem conteúdo me entristece, pois reduz um grande homem a apenas uma parte dele mesmo. A parte que ama, ponto. E nada faz deste amor a não ser senti-lo.



Existem momentos, no entanto, nos quais palavras são desnecessárias.

Uma noite morna sem lua, em algum lugar do meu passado. Lábios se encontrando com paixão. Sozinhos, luzes apagadas, o antigo apartamento em Niterói. O sofá confortável, o perfume dele, delicioso, os lábios, macios, os beijos, quentes e a cada beijo uma entrega, cada vez mais intensa. De repente, do nada, ele para de me beijar. Olho para ele, surpresa. Olhos com uma expressão determinada me encaram, incisivos, indo até o fundo da minha alma. De um impulso, ele se ergueu e caminhou cuidadosamente até um canto da sala, procurando algo no escuro. O que ele poderia estar procurando? Eu estava intrigada e quase atônita. Com um sorriso delineado pela penumbra, ele se senta na minha frente e seus dedos começam a percorrer as cordas do violão. E eu entendo perfeitamente o que ele quer me dizer. Eu ENTENDO. Meus olhos cintilam no meu melhor sorriso e respondem, emocionados. “eu também te amo”.