quarta-feira, abril 16, 2003

Tem coisas que só trabalhar no Centro do Rio faz por você...

Eu tenho o hábito de dar uma fugida até o Galeto Diplomata, um pé sujo português aqui atrás do trabalho, normalmente quando estou fazendo trabalho de office-girl, já que ele convenientemente fica no percurso que faço entre o Itaú e o Real... E, invariavelmente, quando como meu sanduíche-almoço sou abordada por meninos de rua. Um belo dia lá estava eu, lendo meu livrinho e devorando minha fatia de pizza com refresco de manga quando a dona do meu lado diz pra mim guardar o dinheiro que estava no balcão porque ali havia muitos meninos de rua... Olho pra ela com um misto sincero de surpresa e desprezo. Sim, logo depois que ela vai embora aparece uma menininha que deve ser pouca coisa mais velha que o meu filho vendendo bananada. Mas eu simplesmente me recuso a olhar crianças, por mais inseridas que estejam nessa violência e pobreza absurdas e absolutas que fazem parte do nosso cotidiano infeliz, como bichos. Algumas coisas eu realmente não faço: não dou dinheiro, por exemplo, a não ser que realmente compre a bananada da menininha. Mas por mais que esteja na merda, nunca recusei dividir o meu lanche com um deles e se estiver menos na merda um pouquinho, pagar um sanduíche pra alguém. Porque cargas d'água eu tenho que simplesmente ignorar que eles estão ali? Porque devo olhá-los como se fossem predadores, animais perigosos prontos para me atacar ao menor sinal de fragilidade? Porque essas mesmas pessoas que me mandam guardar o dinheiro no bolso olham abismadas e até mesmo torcem o nariz (os garçons invariavelmente olham de cara feia) quando eu racho o meu lanche com um desses molequinhos e pergunto se está na escola, se gosta de estudar, puxo qual a história que aquela criança tem pra contar? Acho que elas ficariam surpresas se soubessem uma coisa que já aprendi há muito tempo. Não se trata de uma questão de dinheiro, nem de humanitarismo... O que faz a diferença, um pouquinho que seja, no dia-a-dia de uma pessoa, qualquer pessoa que seja é encontrar em algum momento alguém que esteja sinceramente interessado em ouvir e dar um pouquinho de atenção a ela. Pode ser um menino de rua, um idoso num abrigo, um mendigo hippie em Niterói, um florista no Largo do Machado ou um blogueiro sensacionalista: todo mundo precisa de um pouquinho de atenção, ser ouvido. Nada mais. E o mundo seria um lugar bem mais chato se não houvesse ninguém com histórias pra contar...