terça-feira, setembro 03, 2002

Escrevi ontem no almoço, mas foda-se. Até porque hoje fez sol.

Fui, mais uma vez, ao MAM. O vento tornava o ar gelado, quase insuportavelmente frio. Tem chovido nos três últimos dias na cidade. Fazia sol quando atravessei a ponte. O céu cinza e o ar gelado me pegaram de surpresa. Como um retrato da minha alma. Eólios me penetrava ferozmente por todos os poros e acariciava e puxava meus cabelos com a brutalidade terna de um amante. Ele me possuía, me levava, arrastava folhas, poeira e pessoas pelas ruas da cidade, sem perdão. Com ele o mundo girava, e o tempo girava. Uma chuva fina tocava minhas mãos, meus rostos, meus cabelos, pequenos beijos gelados que evaporavam logo tocavam a pele quente. Pensei mesmo em retornar. Continuei meu caminho, nunca pude voltar atrás. Sentada em meio ao verde, o mar cinza-chumbo refletia as nuvens e o vento, sempre ele. A vista dos casais simples que usavam aquele lugar sagrado para ter um momento de intimidade era quase insuportável. Quem maculava mais a pureza do momento? Os olhos frios, literários e intelectuais procurando o calor do verde em meio à frieza do chumbo ou o encontro banal das almas simples? Eles, com certeza, são muito mais felizes. Meu único amante, o vento frio, me possuía e envolvia indecorosamente, me fazia me encolher diante da sua volúpia, tomava conta de mim completamente. Eu me vergava ao sabor dele, como mais um ramo entre as árvores. Então, do nada, ele me deu um presente. Aquele instante. Finos traços de chuva dançando ao meu redor, o vento despudoradamente me envolvendo em seu abraço, abrindo caminho entre as nuvens do céu e trazendo o sol e o calor, um calor que chegava e não chegava nunca a me aquecer, tudo ao mesmo tempo, calor, frio, sol, chuva e a dança do vento selvagemente nos meus cabelos. Eu não consegui chorar. Porque o tempo era um reflexo da minha alma. Cada pequeno detalhe de mim se traduzia naquele tempo que era todos os tempos em um só. Me abri para ele, deixei cada fragmento daquele instante encharcar meu corpo e meu coração. E assim como me abençoou com esse vislumbre, Eólios infatigável logo intensificou mais ainda sua dança tresloucada e o tirou de mim.