segunda-feira, dezembro 24, 2001

Vocês acharam que acabou???? Nã-Nã-Nã, tem mais... esse é um texto looongo que escrevi pouco depois do meu aniversário, que explica como me sinto e tem uma boa dose das minhas filosofices.

Vocês devem estar achando que eu sumi de novo... Mas é por uma boa causa: estou imersa, neste fim de ano, num processo de auto-avaliação radical, profundo e intenso, para gerar uma renovação aproveitando o fluxo de energias catalisadoras de mudanças típicas dessa época do ano emanadas pela alma do mundo e assim acertar minhas contas com o ano do Machado, utilizando-o como impulso para remodelar a mim mesma e expurgar tudo aquilo que no momento me impede de evoluir para a espiral seguinte. É necessário romper o ciclo de erros e coisas pendentes de forma radical (o machado corta de dois lados e seus cortes são profundos, sim, e SANGRAM porque o sofrimento nesse caso também tem dois lados: é necessário cortar fora o tecido gangrenado para que a ferida nova possa cicatrizar definitivamente e o tecido volte a crescer e se regenere) e assim poder adentrar o ano do Espelho na espiral acima, finalmente rompendo e me libertando do círculo autodestrutivo que me puxa para baixo inconscientemente, me fazendo girar a roda sem sair do lugar, prisioneira do tempo ao invés de transcendê-lo, repetindo sempre os mesmos erros e me recriminando pelas mesmas falhas, sem subir para o clico acima.
A palavra chave aqui é condicionamento. Romper com todos os padrões que foram incutidos na sua cabeça pelo meio externo e ainda resistir ao impacto que essa resistência gerará no mesmo meio, que tentará ferozmente te fazer desistir e voltar ao seu lugar. É que quando se sai da posição acomodada, há uma ruptura do equilíbrio onde as coisas foram se ajeitando até se posicionarem como agora. Só que este é um equilíbrio viciado e aparente, mais ou menos como martelar peças que não cabem num buraco até que as arestas dessas sejam desgastadas e as peças caibam, mesmo que precariamente. Quando você começa a evoluir, o ambiente rapidamente reage a você: seus amigos dizem que você está “estranho”, sua família pergunta de onde você tirou essas idéias, você se sente vazio ao perceber que os programas fúteis com que preenchia seu tempo são entediantes e não fazem sentido. Então, e aqui eu vou pegar emprestado o tio Crowley, a única forma de conseguir superar a onda esmagadora contrária, que alguns wiccanos interpretam como período da sombra e faz parte da descida ao inferno ou katábase, é se utilizando da Vontade. Isso mesmo, Thelema. Sem uma legítima Vontade de transcender esse círculo, o esforço é em vão e cai-se novamente, senão no mesmo ciclo, em outro ainda mais baixo, tendo-se que recomeçar a subida novamente. Como uma turma de recuperação: você tem que passar de novo por aquele grau, mas como já tem alguma experiência, ou você se acomoda achando que será fácil ou usa isso a seu favor para finalmente aprender a lição que faltava e desta vez conseguir ir adiante.
Pode parecer estranho ligar katábase (a descida ao inferno do iniciado) com a elevação espiritual na espiral cíclica, mas é exatamente isso: a katábase é um processo de descida “para cima”, um mergulho naquilo que há de mais essencial e puro em si mesmo e o expurgo de todos os excessos desnecessários para a subida, deixar a vida anterior para trás sem olhar para o que se deixou, porque senão como Orfeu e Eurídice você poderá começar a se apegar ao passado e assim quebrar a determinação de sua Vontade em ir adiante, ficando paralizado ou ainda caindo de volta na mesma situação de antes.
Existem dois tipos de katábase: um, o mais difícil e ao mesmo tempo mais “fácil” e rápido, é o da “iluminação” alcançado por adeptos do zen-budismo. Esse implica ao indivíduo a morte total e aniquilante do seu aspecto material anterior e renascimento em uma esfera tridimensional da qual a espiral é um mero reflexo, se tornando um indivíduo extraordinário e enxergado complexos de realidade para os quais a mente do homem comum não está preparada. É o caso da iluminação de um Buda, da ressurreição do Cristo etc. É a katábasis do Messias.
O outro tipo de katábase é múltipla: aos poucos, conforme o indivíduo vai evoluindo e ascendendo na espiral, tem que passar não por uma única morte mas pela morte de cada aspecto seu que interagia com os elementos do meio exterior que são característicos daquele ciclo que, quanto menos refinada a Vontade e a alma daquela pessoa, mais se enraízam inexoravelmente nela, prendendo-a e imobilizando-a. O tipo de pessoa que classifico como “gado”, que vive para crescer, se reproduzir e morrer, só enxergando a satisfação das necessidades básicas imediatas, os “ignorantes” por assim dizer, porque estão cegos e surdos, são o melhor exemplo disso. Essas pessoas não suportam mudanças no seu modus vivendi e nem pensamentos “avançados” sobre temas fora da sua esfera de conhecimento. Mas eles são necessários também, porque funcionam como lastro e base da sociedade. Deve-se ter menos compaixão deles (porque à sua maneira eles recebem exatamente aquilo que pedem de seus deuses) que consciência de suas limitações e assim vê-los como crianças, seus espíritos adormecidos contentam-se com o que suas vidas trazem, inclusive as pequenas tragédias pessoais. Pode-se inclusive amá-los, desde que se tenha consciência de que sua forma de amor puxará para baixo, porque o amor que conhecem é o amor-posse. Esse amor é aquele que a pessoa diz “se você não age como espero você não me ama” ou pergunta “porque você fez isso se diz que me ama”? É o amor que escraviza o objeto amado e reflete a insegurança de quem diz que ama.
A katábase múltipla é o processo mais longo e dolorido, extremamente difícil, mas é também o mais acessível ao homem comum, que dentro desta vida pode renascer e se renovar continuamente até ascender um grau onde, teoricamente, ele poderia se “iluminar”, ou seja, ambas não são excludentes e este processo de katábase múltipla pode servir como base para a iluminação definitiva.
Um dos maiores erros que o iniciado comete após adquirir algumas habilidades, como refinar sua telepatia e telecinésia, por exemplo, é ceder ao Ego e ao pensamento de que é melhor que o comum dos homens. Ao se destacar, ele erra por se excluir e se diferenciar da corrente harmônica da anima mundi. Todo orgulho desmedido é o espelho de uma insegurança não resolvida. E uma falha da superfície polida do cristal lapidado poderá esconder uma rachadura apenas esperando para, ao próximo toque do buril, quebrar o cristal em mil pedaços. É que a insegurança disfarçada em orgulho é uma falha na estruturação da verdadeira Vontade e quanto mais egocêntrico, mais cego se torna, preparando-se apenas a queda novamente na base material/mais pesada da espiral. O iniciado que está em harmonia com seu caminho escolhido não precisa dizer “eu sou”. Ele já tem consciência e segurança do que é, assim como estuda o que pode vir a ser. Todos nós temos a partícula divina em nós mesmos, mas é mais belo contemplá-la e se harmonizar para liberá-la de seu receptáculo que ficar provando a si mesmo que se tem poder.
Mas então é isso aí. Estou tentando botar meus pingos nos “i”, não sei se vou conseguir. Preciso ainda refletir sobre muita coisa e acertar muitas pontas soltas... Mas se eu conseguir deixar de cometer pelo menos um dos erros que cometo sempre, me sentirei menos frustrada se a vida me colocar de novo de “recuperação”. Anyway, o momento é propício.
E feliz Litha pra quem de Litha e feliz Natal pra quem de Natal.